Geoffrey e Valeska falaram sobre a situação atual do Brasil pós-impeachment da ex-presidenta Dilma
Em seminário na Universidade Livre de Berlim,
Valeska Martins e Geoffrey Robertson mostraram, inclusive, que
judiciário brasileiro ainda adota métodos herdados do período da
Inquisição
Abrindo uma ação em que alegam que o ex-presidente Lula é alvo de perseguição judicial no Brasil, ou lawfare, na expressão internacionalmente consagrada, advogados do ex-presidente estiveram em Berlim, nesta
segunda-feira (15) – Valeska Teixeira Zanin Martins, que representa
Lula no Brasil, Geoffrey Robertson, cujo escritório em Londres
representa o ex-presidente perante o Alto Comissariado da ONU para
Direitos Humanos em Genebra.
A visita começou com uma ida ao famoso Reichstag,
onde gravaram um registro para os arquivos do Instituto Lula, feito pelo
cinegrafista e fotógrafo Felipe Araújo.
Na sequência, foram ao Instituto Latino-Americano,
da Universidade Livre de Berlim, onde abriram, em inglês, um seminário
de pós-graduação que aborda, entre outros temas, a situação atual no
Brasil pós-impeachment. Falaram para uma sala lotada, onde predominavam
estudantes, professores e interessados em geral na situação brasileira. A
atividade, coordenada pelos professores Sergio Costa e Renata Motta,
contou com a participação conjunta do movimento SOS Lula-Berlim e do
Fórum Latino-Americano da mesma cidade.
Geoffrey Robertson foi o primeiro a falar. O advogado, nascido na Austrália e que atua no Reino Unido e nas
cortes internacionais da Europa – sendo reconhecido como defensor das
causas dos direitos humanos e garantias individuais no sistema
judiciário internacional –, ressaltou o que considera uma aberração
anacrônica do sistema judiciário brasileiro.
Hoje, essa situação anômala não existe mais nas
cortes europeias, completamente extinta a partir da década de 1980.
Herdada do sistema judicial da Inquisição Ibérica, ela consiste em
manter a prática de ser o juiz que instrui e conduz a investigação sobre
as atividades de um acusado, para depois ser o mesmo que julga o caso.
Segundo ele, isso leva a uma situação em que potencialmente o réu passa a
ser condenado de antemão, impedindo que ele seja julgado por um juiz
independente.
Agravam o presente caso das ações e investigações
movidas contra o ex-presidente o comportamento corporativo das
associações da classe jurídica brasileira, apoiando abertamente o juiz
Sérgio Moro e as ações da Operação Lava Jato, mesmo quando irregulares; a
participação ativa da mídia hostil ao ex-presidente na criação de um
clima de pré-condenação; e o comportamento do juiz e de procuradores,
dando declarações nesta mídia e publicando e autografando livros em seu
favor.
Destacou ainda a completa ilegalidade da divulgação
de gravações obtidas também ilegalmente de conversas privadas de Lula,
de sua família e até de seus advogados, dizendo que tudo isto seria
impensável nas cortes europeias, e que estes juízes e procuradores já
teriam sido afastados do caso, e eventualmente até processados e
punidos. Também condenou a passividade judicial diante da utilização dos
bonecos gigantescos ou pequenos que representam o ex-presidente como
presidiário.
Falou a seguir a advogada Valeska Martins,
ressaltando as dificuldades e impasses da Operação Lava-Jato. Declarou
que, depois de anos de investigações exaustivas e do arrolamento de
quase oito dezenas de testemunhas, sendo 27 de acusação, sequer uma
única prova foi obtida contra o ex-presidente.
Ao contrário, todas as testemunhas ouvidas o
inocentaram. Provas foram obtidas sim, mas que atestam a sua inocência,
como no caso da pseudo-posse de um apartamento no Guarujá, que sempre
esteve e está ainda na condição de propriedade da construtora OAS,
segundo documentos legais e legalmente obtidos.
Sublinhou que a prática das delações premiadas vem
sendo implementada de modo irregular, sem que se exija a apresentação
prevista em lei de provas por parte dos delatores. Estes, diante da
possibilidade de serem mantidos em longas detenções mesmo antes de serem
julgados, terminam por dizer aquilo que procuradores e o juiz querem
ouvir a respeito do ex-presidente.
Ressaltou ainda que a decisão do Tribunal Federal
de Recursos da Quarta Região (TRF4), com sede em Porto Alegre, a que o
juiz Moro está subordinado, garantindo por ampla maioria que a Operação
Lava Jato e o juiz podem atuar por cima das leis e da Constituição, abre
caminho para a instalação de um estado de exceção no país, coisa que na
Alemanha tem um nome de triste memória, Ausnahmezustand, coisa característica do antigo regime nazista.
Valeska se referiu ao risco que a democracia
brasileira vem correndo graças a esta mobilização política dos
tribunais, apoiada pela mídia mainstream no Brasil. Alertou
para o fato de que houve uma decisão dos tribunais superiores, de
caráter pessoal, no sentido de que o juiz Moro foi confirmado como apto
para julgar a pessoa do ex-presidente, em vez de apenas casos contra
ele.
Esta unção do juiz também escancarou as portas para
a consideração, por parte daqueles contra quem ele se volta, de que, no
Brasil, não há instância de recurso sobre suas decisões, o que aumenta
seu poder sobre a prática das delações premiadas, mesmo que dentro da
verdadeira licenciosidade com que são obtidas.
Enfim – agora falo eu – o país vive uma suruba
(termo empregado por prestigiado senador no atual regime,
arqui-investigado por ilegalidades de que é suspeito) jurídica sem
precedentes. Nem no Estado Novo, nem na República Velha, nem na ditadura
civil-militar pós-1964 houve tanta "liberdade poética" e sinistra na
interpretação de leis e prerrogativas constitucionais.
Na República Velha, a questão social era uma
questão de polícia; o Estado Novo adotou uma nova Constituição; o mesmo
fez a ditadura de 64, além de simplesmente suspender tudo com o Ato
Institucional nº 5. Já nos dias de hoje criaram-se completas anomia e
anomalia, porque se tem uma Constituição que simplesmente não vale mais,
ou vale apenas para alguns, e os esbirros da "nova ordem" se dão
direito a tudo, sem prestar contas a ninguém.
Aonde vamos parar com tudo isto, só Deus e o Diabo sabem. Se é que sabem.
Fonte: RBA
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